Sobre “BACTÉRIAS E EMOÇÕES: uma forte relação”, de ROBERTO LENT
- NOS - Núcleo Observando do Sul

- 5 de jun. de 2022
- 9 min de leitura

Gisálio Cerqueira Filho
Dedico este ensaio para a dupla
Maísa Arantes & Marcelo Neder
Que vivem as músicas e som da rabeca...
Vejam e ouçam “Afã pela metade”...
A respeito de breve artigo intitulado “Bactérias e Emoções: uma forte relação”, de autoria de Roberto Lent[1] gostaríamos de fazer algumas reflexões. O autor é neurocientista, professor emérito da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or. Além do que, é membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). E eu, que não sou desta área, tenho boas lembranças do cientista e escritor, pois que se dedicou também à divulgação científica.
Estive com ele em alguns eventos de divulgação da ciência. Ele é incansável e foi o fundador da primeira revista no campo (“Ciência Hoje”) que deu origem a variados projetos como o Instituto Ciência Hoje e o “Ciência Hoje das Crianças”.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), graduou-se em medicina (1972) e fez mestrado (1973) e doutorado (1978) em Biofísica. No exterior, fez estágio de pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em1982.
Além disso, fez carreira no Brasil juntamente com um amigo de adolescência, o Doutor Vivaldo Moura Neto. Este possui graduação em História Natural pela UERJ (1970), mestrado em Bioquímica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1977) e Doctorat D'etat – na Université Pierre et Marie Curie, France (1984). Professor titular da UFRJ, tornou-se professor Emérito na mesma universidade. Atualmente é Diretor de Pesquisa do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer da Secretaria de Estado de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. A excelência de um e outro me atraem, bem como a dedicação ao trabalho e à divulgação científica.
Sendo eu próprio cientista social, formado pela antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, fiz o mestrado em Ciência Política no IUPERJ (1974) e o Doutorado também em Ciência Política (FFLCH-USP-1980). Ex-diretor da Escola de Sociologia e Política da PUC-RIO (1983-1988), Pós-doc, na Biblioteca Nacional de Lisboa, Portugal (1999), Professor Titular de Teoria Política na Universidade Federal Fluminense e membro associado efetivo da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (AUPPF, São Paulo) fundada pelo saudoso Dr. Manoel Tosta Berlinck. Então aventurei-me pela psicanálise, tendo sido o primeiro Doutor na USP até aquela data a ter a sua Banca Examinadora formada por dois psicanalistas além dos cientistas sociais José Augusto Guilhon Albuquerque (orientador), Leôncio Martins Rodrigues e Fernando Henrique Cardoso. Hoje sou co-editor juntamente com Gizlene Neder do periódico científico a Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, fundada em Milão, Itália (2008). E como pesquisador sênior, atuo como um dos coordenadores do Laboratório Cidade e Poder (LCP-PPGH-UFF) http://www.historia.uff.br/lcp/
Uma tal tripla apresentação fraterna pareceu-me necessária para abordar “Bactérias e emoções: uma forte relação” de Roberto Lent. Para além da admiração que tenho por este, (Roberto), e aquele, (Vivaldo), cientistas renomados, pela minha proximidade afetiva à distância por ambos e não bastasse tudo isso, pelo fato de meu filho Vinicius Neder, ter sido durante longo tempo jornalista no “JORNAL CIÊNCIA HOJE”. na Urca, Rio de Janeiro (campus da UFRJ), me vi interessado na hipótese abordada por Lent.
Ao realizar a pesquisa para a minha tese doutoral dei conta de uma complexa relação de contradições entre o que designei o pensar, o sentir e o agir. Via de regra trabalhamos bastante com as ambivalências e contradições entre o pensar e o agir. Podemos dizer inclusive quanto é célebre a famosa relação entre teoria e prática. Aqui, teoria se refere não exatamente ao conjunto de construtos, mas ao pensar, seja a ideologia, seja no marco da teoria propriamente dita. Por isso é que falamos da possibilidade do pensar ir numa direção e o agir – ou seja, a ação política – ir para outra direção. Sem muito esforço, podemos imaginar também contradições e ambivalências em o agir e o que sentimos, em termos de afeto. Com frequência nossas emoções vão numa direção e o agir n’outra completamente diferente.
Algumas destas questões chegaram a ser debatidas e fortemente. Vamos dar alguns exemplos O afeto existe como noção que não pode ser desconsiderada. Existem fenômenos que são considerados e nomeados como sendo de ordem afetiva. É muito fácil constatar a variação semântica do termo (como substantivo no singular ou no plural, na referência ao verbo e na adjetivação) por todos os que utilizam a expressão num uso “técnico”. A partir de certa época na cultura ocidental, começa a ser empregada também a palavra “afetividade”. Tem-se aí um uso mais abstrato do que veio sendo nomeado como afeto e que parece supor uma distância e uma dobra, colocando o afeto como categoria do pensar e especialmente das construções psicopatológicas.
“Com Kant já no século XVIII valorizou-se a religião, filosofia, medicina, ficção, psicofisiologia, psicologia), tematizando de múltiplas maneiras o ser afetado por algo que o domina, e que seria da ordem do incontornável, determinando um modo de vida e um destino”.[2]
Em meados do século XIX Jean-Gabriel de Tarde (12/03/1843 – (13/05/1904), filósofo, psicólogo, sociólogo e criminologista francês. De família de origem nobre na região de Sarlatt-la-Canéda, France, desde a Idade Média. Entre os seus antepassados conta-se Jean Tarde, capelão particular do rei de França Henrique IV, astrônomo e amigo de Galileu Galilei. Gabriel Trade teve formação na Universidade de Paris e de Toulouse.
Émile Durkheim (15/04/1858-15/11/1917) foi um sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo francês. Formalmente, tornou a sociologia uma ciência e, com Karl Marx e Max Weber, é comumente citado como o principal arquiteto da ciência social moderna. Estudou ainda Escola Normal Superior (1879–1882), tendo sido influenciado por Auguste Comte e Herbert Spencer. Seus estudos tiveram grande repercussão na sociedade.
O Suicídio (1897) é um livro que resultou de pesquisa pioneira no campo da Sociologia. Escrito pelo sociólogo francês Émile Durkheim, publicado em 1897, (virada para o séc. XIX) foi um estudo de caso sobre o suicídio, publicação única em sua época, que trouxe um exemplo de como uma monografia sociológica deveria ser escrita. Não foi sem intenção que buscou tal tema. Pois que julgava que as pessoas comuns tomavam este ato de matar-se a si como supremo impulso individual. Teve o mérito de ressuscitar o conceito de “anomia” para seu estudo do suicídio exclusivamente do ponto de vista sociológico, isto é, com fato social.
Todavia, na Viena-fin de siècle, o médico neurologista Sigmund Freud (06/05/1856 - 23/09/1939) estaria publicando a obra A “Interpretação dos Sonhos” (1900) e lançando as bases de um novo saber. Desde então denominado Psicanálise. Apresentado gradualmente pelo autor como uma clínica, um objeto teórico, método de análise e estudo. O avanço da linguística para a compreensão, em particular, do inconsciente, foi fundamental. E embora o século XX tenha sido um século de grandes avanços realizados por S. Freud, ele foi também muito atacado, tanto o autor quanto a sua invenção científica. A psicanálise custou a ser aceita pela opinião pública, mas enfim entrou hospitais a dentro, universidades e acabou acolhida pela opinião pública. Não temos dúvida que recebeu um impulso formidável da parte do também médico Jaccques Lacan quanto de filósofos e muitos outros psiquiatras, psicólogos, etc. No entretanto, no auge deste século XX, muitos se aproximaram, para estudar não apenas o “discurso”, qualquer que ele fosse, mas também para compreender os sentimentos e afetos mais profundos (o sentir)[3] não apenas em relação à palavra e ao “pensar”, mas também ao “agir”.
Foi esse o nosso caso, pois desde a tese doutoral[4], passando pela questão institucional[5] e indo desembocar em obras significativas em Teoria Política[6] e variados ensaios que miram o que vem recebendo a designação de paradigma estético expressivo, pois via de regra as emoções se expressam através da estética: pintura, literatura, cinema, televisão, escultura, teatro, música erudita ou não, etc. A importância da tragédia grega é a de que nela se discutia, se pensava, se mexia a certeza de uma estética de base afetiva para qual valeria ser aterrorizado, possuído, dominado, vítima passiva diante de forças maiores que paralisam e ultrapassam a consciência... Vale o trocadilho “Errei, Errei, Édipo é Rei! Para insinuar não só a importância da estética, quanto da política em suas relações com ela...
Karl Marx já havia chamado atenção, a partir da sua metodologia dialética e não idealista, para o que designou como contradição entre a teoria versus a prática.
O sociólogo alemão Max Weber explorou a ação política que, a partir dela, produz efeitos até antagônicos ao que se pretendia realizar, Chamou isto de “paradoxo das consequências”. Já o pensador Antonio Gramsci vai observar o gap entre o pensar, o sentir e o agir na prática política.[7] Já havia chamado nossa atenção para o que mais tarde designamos como emotion in motion, muitas vezes em contradição aberta em relação ao agir político, quando não ao próprio pensar, sem que se desse conta com clareza. N’Os Cadernos do Cárcere, um conjunto de 29 cadernos de tipo escolar escritos por Antonio Gramsci no período em que esteve prisioneiro na Itália, entre 1926 e 1937. O autor e militante, em variados momentos, chama nossa atenção para as contradições entre o pensar, o sentir e o agir tanto na área sindical dos trabalhadores quanto política em si.
Por outro lado, não podemos deixar de dizer que, na modernidade, a psicanálise e o estudo das emoções foram confrontados com o avanço da neurologia, neurociências, microbiologia das vacina protetoras contra vários tipos de vírus, mormente em face da pandemia COVID-19 que assustou e assusta ainda o planeta.[8]
Sobre emoções & bactérias e bactéria & emoções.
Aqui retomamos o ensaio de divulgação científica de Roberto Lent.
“A hipótese em si levanta a possibilidade que as bactérias que estão em nossas vísceras conseguiriam influenciar as emoções correntes nos seres humanos. A microbiologia residente em nossas vísceras interagiriam com uma complexa rede de neurônios e outras células nas paredes do estômago e intestino, o que modularia e mais... A informação processada pelo sistema nervoso entérico é conduzida corpo acima por um conjunto de fibras nervosas que compõem o nervo vago até chegar ao cérebro. Tudo parece convergir para uma rede capaz de controlar as emoções(!), o chamado sistema límbico. Este por seu turno utiliza uma substância chamada serotonina. Simplificando, a serotonina veicula as emoções e, no limite, as bactérias, lá embaixo, acabam influindo no fluxo da mesma que o cérebro utiliza lá em cima. Estados depressivos já foram identificados pela carência de serotonina na comunicação com os neurônios. Não é por acaso que os médicos receitam medicamentos chamados “inibidores de recaptação da serotonina”, impedindo assim que a serotonina liberada seja capturada para adentro das células, permanecendo ativa na gerência de nossas emoções. Os trabalhos mais recentes apontam, que o circuito das bactérias às emoções via nervo vago pode ser modulado para melhor utilização terapêutica e menos perigosa que os medicamentos. Uma abordagem que está em alta, para esse fim, é a estimulação elétrica dos ramos do nervo vago que ativam o circuito límbico nas regiões cerebrais. Muitas vezes bem por baixo da pele, ao alcance de correntes elétricas produzidas artificialmente. Estimulação suave do nervo vago feita sobre a pele da orelha influenciaria então as emoções das pessoas, esteando ou não deprimidas. Duas pesquisadoras neurocientistas da Holanda, conforme diz Roberto Lent, estudaram o efeito desta estimulação na atenção seletiva, que sem querer prestamos a faces que traduzem emoções. Olhamos mais tanto para quem sofre ou ri do que para quem apresenta uma face neutra. Foram usadas fotos de atores e atrizes mostrando-se tristes, alegres, zangadxs, amedrontadxs ou neutrxs. Voluntários sadios foram solicitados em condições controladas a clicar rapidamente a tecla de um computador, quando as fotos lhes passavam emoções fortes, indicando maior ou menor sensibilidade emocional. Menor o tempo de reação, maior o viés emocional. A seguir, o experimento era repetido sob estimulação transcutânea do nervo vago; Resultava um aumento do tempo para reações. A reação ficava mais lenta, menor a sensibilidade emocional. O efeito era robusto para duas emoções básicas, a tristeza e a alegria; manos intenso para outras e inexistente para as faces neutras. Era como se a mensagem das bactérias as redes emocionais fosse algo como: acalme-se, a emoção da foto não é tão forte assim”.
Para o que nos interessa estamos atentos é à velocidade do sentir (emoções, especialmente inconscientes) em relação ao pensar e particularmente ao agir. Haveria uma velocidade mais ou menos retardada nesta imbricação entre o sentir, o pensar e o agir? Isto poderia possibilitar acúmulo de contradições e ambivalências entre o sentir, o pensar e o agir?
Os resultados experimentais podem ter duas consequências benéficas para Roberto Lent. 1) aprofundam o eixo microbiota-cérebro, elemento fundamental no processamento das emoções humanas. 2) aumentam a viabilidade de substituir a estimulação do nervo vago para o tratamento de depressão mais severa, que hoje é cirúrgica. Teríamos então uma modalidade menos invasiva, transcutânea”. Assim fica claro que essa relação entre a ciência básica e a ciência aplicada não é nada vaga...
Poderíamos buscar entender assim as tais contradições perenes entre sentir, pensar e agir?[9]
Cosme Velho, 22 de maio de 2022.
Notas [1] LENT, Roberto. In O GLOBO, 20 de maio de 2022. https://blogs.oglobo.globo.com/a-hora-da-ciencia/post/bacterias-e-emocoes-uma-forte-relacao.html [2]MENEZES, Aluizio Preira de. Para pensar o Afeto. Apresentado em em evento realizado no Hotel Casablanca, Petrópolis, R.J pela AUPPF (Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental, S.P.), 2005. [3] Freud chegou a chamá-los “emoções inconscientes”. [4] CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A questão social no Brasil: crítica do discurso político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Coleção Retratos od Brasil. 1982. [5] CERQUEIRA FILHO, Gisálio et alli. Crise na Psicanálise. Vários autores. Rio de Janeiro: Graal, 1982. [6] CERQUEIRA FILHO, Gisálio e Neder, Gizlene. Violência e Conciliação no dia-a-dia Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1998, Idem. Édipo e Excesso: reflexões sobre Lei e Política.2002 e CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Autoritarismo Afetivo: a Prússia como sentimento, São Paulo: Ed. Escuta, 2204. [7] FIORI, Giuseppe. Gramsci; vida e obra. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra. [8] ISAACSON, Walter. A Decodificadora: Jeniffer Doudna, edição de genes e o futuro da espéie humana. Rio de Janeiro: Ed. Intrínseca, 2021. [9] NIEMEYER FILHO, Paulo. Para uma reflexão conexa tão clara quanto lúcida veja-se “A criatividade e o cérebro” recentemente publicada na Revista da ABL, nova fase X ano I n, 110 . pps 126-130, jan. / março. 2022.





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