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A trama afetiva da política de Jair Bolsonaro e a queda de Silva e Luna da Petrobras

  • Foto do escritor: NOS - Núcleo Observando do Sul
    NOS - Núcleo Observando do Sul
  • 19 de jun. de 2022
  • 4 min de leitura

Yasmim Silva de Salles[1] O ressentimento é indissociável da crítica ao que tem sido o cenário político brasileiro desde 2018. A partir de agora, desenvolveremos alguns aspectos da política bolsonarista e nos deteremos, em especial, ao episódio da demissão do general Silva e Luna da presidência da Petrobras em 2022. Aqui, destacaremos a atualidade do afeto e, para começar, partiremos da seguinte matéria sobre o ocorrido: Bolsonaro indicou o desejo de substituir Luna com intuito de ter maior influência junto à política de reajuste de preço dos combustíveis. Em entrevista a Veja, o general relatou pressões do presidente Bolsonaro durante o período à frente da estatal. “Houve indicações nesse sentido, mas confesso que isso não me incomodou. Eu não ia fazer. Então, eu dormia tranquilo”, disse Silva e Luna. “Meu apego a cargo é zero, nunca tive. Vim para servir. Entendi que tinha de cuidar da empresa, a parte política não cabia a mim.” (Revista Veja, abril de 2022). Bolsonaro sobrea possibilidade de mudanças no comando da Petrobras, antes da demissão do general Silva e Luna, afirmou: “Existe essa possibilidade. Todo mundo no governo, ministros, secretários, diretores de estatais, podem ser substituídos se não estiverem fazendo trabalho a contento (...)” (Revista Valor Investe, 2022). E, quando questionado por sobre a possibilidade de propor alguma política pública para estabilização dos preços, Bolsonaro diz:

“Isso já está no papel. Qualquer nova alta a gente vai desencadear o processo para que este reajuste não chegue na ponta da linha ao consumidor. É impagável o preço dos combustíveis no Brasil, e lamentavelmente a Petrobras não colabora com nada”, disse. “Se eu pudesse interferir, as decisões seriam outras”. (Revista Valor Investe, 2022).

A primeira questão é: a relação que o ressentido tem com a culpa é esquiva. O ressentimento é passivo, vitimista e servil, se revela na dificuldade de não nos reconhecermos como agentes da nossa própria história e responsáveis pelas próprias mazelas. É importante ressaltar que não devemos confundir sentimento de revolta com ressentimento. Trata-se, sem dúvida alguma, da revolta ser impetuosa e diferente do ressentimento por pretender mudar a condição que se encontro. O que produz ressentimento não é a revolta, mas a submissão à espreita de alguma recompensa do “reconhecimento merecido, mas que lhe foi recusado”[2]. Sendo assim, é a fantasia de “vítima do prejuízo” que sustenta toda a enredo das políticas do ressentimento. De fato, é de um lugar “especial” que o ressentido se coloca. Toda sua narrativa é velada por uma acreditada virtude inquestionável e, por presunção moral, acredita que a responsabilidade não se aplica a ele. É pela presumida pureza moral que o ressentido não avista razões para se arrepender-se e elabora no plano imaginário imagens resultadas de seu descontentamento queixoso. Aqui uma segunda ressalva deve ser feita: o ressentimento valida-se, sobretudo, da queixa de um outro delegado culpado por seus ruins resultados contra quem ele dirige suas acusações. É fundamental que compreendamos que o ressentido se coloca como vítima impotente de um outro mais poderoso que ele, mesmo que essa assimetria de poder seja fantasiosa (KEHL, 2020, p.16). É a partir desse ponto de vista que a posicionamento do ressentido é passivo, ainda que ativamente comprometido com uma suposta “superioridade moral”. Quando o atual presidente, Jair Bolsonaro, providencia destituir o general Silva e Luna ou qualquer outro aliado de seu governo do cargo, quem está em questão sempre é o outro. Percebe-se, pois, que o general Silva e Luna é um culpado conveniente que cumpre a missão de inocentar a figura do “herói redentor” cheio de boas intenções, decoroso e diferenciado por sua superioridade moral. No plano imaginário, a figura do “herói redentor”, assume sempre a função diretiva uma vez que sua superioridade moral aparentemente inquestionável lhe concederia clareza absoluta em relação aos fatos por acreditar-se puro, “mais próximo da verdade e do justo”. Valhome aqui de uma análise feita por Maria Kehl (2020),ao comentar sobre o totalitarismo. Para Kehl, totalitarismo ou regimes políticos que flertam com regimes totalitários promovem nos ressentidos paixão pela servidão, fazendo o ressentido se orgulhar em obedecer às ordem da figura de autoridade. Servir, submeter-se voluntariamente ao totalitarismo é uma forma de participar do poder, usufruir do poder sem precisar assumir responsabilidade pelas consequências. (KEHL, 2020, p. 175). Eis um terreno perfeito para a narrativa ressentida: poder participar do poder e das prerrogativas tirânicas sem pagar o preço da responsabilidade. Com ajuda dessa elucidação pode-se afirmar que este é o caso do general Silva e Luna, que tenta conciliar a decadência do modelo militar saudoso dos “bons e velhos tempos” com pretensões individuais. Por esse viés, o ressentido é um personagem que trabalha ativamente para manter sua condição, apoia-se em pontos de vista que trabalham a favor da manutenção da prerrogativa do afeto. Podemos concluir que políticas do ressentimento transformam a queixa em narrativa, sendo o principal compromisso a tentativa de resgate do lucro do prejuízo de outrora. Perceba-se que o governo Bolsonaro é marcado pela presença do ressentimento, em especial ressentimento de classes que perderam seus privilégios. Fica claro, pois, que o ressentido é apegado a um passado ideal que, mesmo fantasiosamente, garante a posição de vítima injustiçada em relação ao que “deveria ter sido e não foi”.



Referências


ARAJÁ, Victor. A resposta de Silva e Luna sobre sua possível permanência na Petrobras. Revista Veja, publicado em 4 de abril de 2022.


FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu e outros textos. Tradução: Paulo César de Souza. Ed. Companhia das letras; 1ª edição, 2011.


NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. Tradução: Paulo César de Souza. Companhia das Letras, São Paulo, 2009.


. Além do bem e do mal. Tradução, notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.


SCHUCH, Matheus. Bolsonaro acusa Petrobras de 'crime' e admite chances de trocar comando. Revista Valor Investe, publicado em 16 de março de 2022.


SOARES, Ingrid. Bolsonaro sobre a saída de Silva e Luna da Petrobrás: "Existe a possibilidade". Correio Braziliense, março de 2022.



KEHL, Maria Rita. Ressentimento. São Paulo: BOITEMPO, 2020.


Notas [1] Pós-graduanda do Programa de Pós-Graduação em Ciência política daUniversidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: yasmimsalles@id.uff.br [2] O homem do ressentimento apesar de sentir-se prejudicado não ousa promover nenhuma grande transformação. O ressentido deseja conservar-se na trama do afeto. Diferente do revoltado, o ressentido subordina-se ao poder da mágoa sem interesse de que haja grandes rupturas em relação a sua própria “posição desvantajosa” uma vez que o ressentimento tem mais a ver com a rendição voluntária do que com a derrota.

 
 
 

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