Ex-Libris nas Bibliotecas particulares
- NOS - Núcleo Observando do Sul
- 12 de mai. de 2022
- 14 min de leitura

Gisálio Cerqueira Filho
Explicações necessárias.
1 -
Estou relendo o livro de Bruno Alves Borges.[1] O autor acumulou como intelectual, jornalista, professor e mais ... um conhecimento formidável sobre livros, bibliotecas e suas vicissitudes acerca de doações, vendas, leilões; em geral pós mortem dos seus proprietários.
O subtítulo do livro, cujo título já é engenhoso, refere-se a“ Bibliofilia na história da Universidade de Brasília”. O foco é a BCE (Biblioteca Central dos Estudantes da UnB). Os “causos” são muitos e agradáveis de se ler. Mas também causam tristeza. Por isso, ele diz na bela dedicatória que nos honrou com o presente de um exemplar: “... Este livro feito de luto e luta ...” O interessante é que importantes bibliotecas são tomadas pelo interesse do autor: entre elas, as de: Agrippino Grieco, Carlos Lacerda, Eudoro de Souza, Homero Pires, Pedro Moura, em ordem alfabética. Mas não só...Pois que, com uma prosa arrasadora, o autor Bruno de Alves Borges nos insere neste universo, sobretudo, quando somos também desta confraria intelectual e temos uma respeitável biblioteca universitária. O prefácio do livro é de Sidney Barbosa e o posfácio, escrito por Paula Foltran, é sobre Vera Pacheco Jordão. E há ainda um Apêndice com o “Discurso do Reitor Amadeu Cury na inauguração da coleção de Agrippino Grieco”.
Como vemos, é uma verdadeira história da bibliofilia na UnB onde a reflexão crítica de Bruno Alves Borges não resvala para sentimentos de raiva, ódio ou mesmo ressentimento. Ao revés, ele nunca perder a esperança dos melhores sonhos de Darcy Ribeiro. Trata-se, pois de uma escritura de desbravador intelectual no caso da história da bibliofilia na UnB, com conhecimento do que fala e escreve.
2 –
A segunda explicação já vai longe e deve-se a Luiz Meirelles e sua Tese de Doutorado na PUC-RIO inscrita no período 1985 – 1991. A universidade vivia naquele momento três impactos bem fortes
A ) Uma carta pública ao “Jornal do Brasil” de alguns estudantes que reclamavam da possível “invasão” da reflexão sobre a questão da informática nas ciências sociais, em particular na Escola de Sociologia e Política...
B) A presença de Michel Foucault na PUC-RIO, que antes até, galvanizara os estudantes e muitos professores, especialmente com a conferência “A verdade e as formas jurídicas”.
C) A questão da psicanálise que também vivia um certo boom no que se refere à influência no campo das ciências sociais, sobretudo nos estudos sobre ideologia.
Neste contexto emergiu um professor da UFRJ, estudante de doutorado na Engenharia Elétrica da PUC, que era Mestre formado em Engenharia de Produção na UFRJ com uma proposta de pesquisa sobre “Miniaturização e redução da necessidade de trabalho”. Seu nome: Luiz Antonio Meireles. Na ocasião, ele lecionava como professor horista na PUC-RIO Foi então que o orientador principal, o Matemático Dr. Marcos Azevedo da Silveira (doutorado em França), sugeriu um coletivo de orientação acadêmica, uma equipe, sob sua presidência com os seguintes membros: (1) a participação do Matemático / INPA e ex-reitor da UFRJ Dr. Nelson Maculan, (2) o Economista ( também da UFRJ) José Ricardo Tauile, (3) o Cientista político e sociólogo Doutor (USP) Gisálio Cerqueira Filho (Diretor da Escola de Sociologia e Política da PUC-RIO). (4) Engenheiro de Produção (PUC-RIO) Dr. Paulo Roberto Dalcol. Coletivo de cinco participantes para uma orientação multi e transdisciplinardo jovem Meireles.
Uma síntese da proposta interrogava-nos e sobretudo ao doutorando:
A) Será que as questões relativas à crise dos "Partidos políticos representativos & o Outro" não estariam nas questões que envolvem a nanotecnologia e as transformações no mercado de trabalho?
B) Propunha discutir o Fordismo versus Toyotismo a partir das grandes empresas impactadas pela informatização da produção.
C) O Brasil na questão do trabalho industrial e efeitos da informatização.
D) Concluimos com o pensamento de Darcy Ribeiro e uma interpretação para o Brasil.
Palavras-chave: Tendências tecnológicas; Produtividade; Trabalho; Indústria eletrônica. Grande área: Engenharias Setores de atividade: Qualidade e Produtividade; Mercado de Trabalho e Mão-De-Obra; Industria eletro-eletrônica.[2]
A relação do estudo de Bruno Alves Borges com o de Luiz A. Meireles é complexa, mas significante e não apenas por envolver o pensamento crítico de Darcy Ribeiro e a bibliofilia na história da UnB, que evidentemente continua em curso...
Hoje, a questão principal é que os dados bibliográficos fornecidos por grandes plataformas, aplicativos, livros virtuais, periódicos e revistas científicas on line, que inegavelmente realizam notável transformação neste universo, não mata, as bibliotecas antigas ou tradicionais, nem deve descartar a farta documentação histórica acumulada. Não é sem razão que muitos estudiosos, autoridades científicas e políticas já aceitam falar que os fatores de produção (econômica) para além da Terra, do Capital, do Trabalho e da (C&T) Ciência e Tecnologia, devem incluir um quinto fator de produção de per si: os dados.
3 –
A terceira explicação refere-se ao maravilhoso volume de Maria Luiza Penna intitulado “Luiz Camillo: perfil de intelectual”[3] sobre Luiz Camillo de Oliveira Netto e que vem repleto de documentos, fotos, uma escrita de primeira grandeza e que nos apresenta muitas novidades. Mas não vou dar spoiler revelando o que desejo que o leitor busque, em especial se ele não leu o livro, ou então se não deu a ele todo o valor que merece.
Recorro ao poeta (C.A,D,)[4]
“Um capítulo dinâmico da história política do Brasil em tempos não longínquos haveria de chamar-se Da ação subterrânea (e eficaz) de um certo Luiz Camilo, que não era senador, nem deputado, nem ministro, nem nada: era engenhoso e inteligente.Já agora esse subterrâneo precisa ser devassado. O próprio Homem Luiz Camilo precisa vir á luz, a que ele se furtava porque não condizia com a sua natural simplicidade. Se não dissermos dele o que valia e significava para os estudiosos como biblioteca viva e prestante, e para seus patrícios em geral, a quem pretendia servir através de planos de governo que eram a marca de um coração ardente e de uma excepcional vacação irrealizada – se não dermos testemunho, como se saberá que houve outrora um homem chamado Luiz Camilo e esse homem tinha a paixão das ideias, tanto literárias quanto econômicas, e que esse liberal cristão, numa época de extremismos, revalorizou velhas posições pela originalidade de sua inventiva?” [5]
Mas não fiquemos por aqui, pois ao ressaltar o livro de Maria Luiza Penna devemos dizer que, sendo filha de Luiz Camilo, a autora consegue traçar um perfil espetacular e de rigor metodológico incomum no que chama de Considerações Subjacentes I - As cartas. Considerações Subjacentes II - O Arquivo. Considerações Subjacentes III – A História. IV - Considerações Subjacentes IV - O Intelectual. Considerações Subjacentes V - O Conspirador. E tudo isso sob a inspiração sociológica de Max Weber.
Ler e ver para crer; ver fotos de família, documentos históricos, manusear a impressão do livro, para o leitor tirar as suas próprias conclusões. Compreender as incríveis revelações sobre Luiz Camillo como diplomata, em relação ao Arquivo do Itamarati, à sua própria biblioteca, mas também na UDF (Universidade do Distrito Federal), uma verdadeira inspiração para muitos da “Escola de Niterói” UFF) e last but not least o Ex-libris da Biblioteca Pública de Itabira, organizada por Luiz Camilo e estampada na abertura da obra.
4- A nossa Biblioteca (Gisálio & Gizlene)
A expressão latina Ex libris ainda vem sendo utilizada para significar, literalmente, "acerca dos livros de..." ou então como outros gostam de dizer "faz parte de meus livros". Trata-se de uma marca, carimbo, imagem ou algo similar para associar um livro a uma pessoa ou mesmo uma biblioteca. Portanto, Ex libris é uma indicação para aquele que o tem nas mãos, que ele, o livro, tem ou teve um dono... indicando a propriedade do mesmo, seja por alguém ou uma biblioteca... Assim, podemos dizer que, talvez, tudo começa com um ato de amor...aos livros, para que possamos explicar menos o Ex libris e mais como nascem as bibliotecas privadas. No meu caso particular, o interesse afetivo pelas bibliotecas começa por volta de 1960, com o nascimento do “Banco do Livro”. Esta iniciativa partiu da parte da Associação Metropolitana de Estudantes (AMES) que promovia um movimento de: a) recepção de livros didáticos usados. b) estes, por sua vez, seriam trocados por outros, também usados, na passagem do ano letivo. Isto barateava os livros didáticos, pois uma vez aprovado, o jovem não tinha gastos com livros novíssimos, mas podia trocá-los por aqueles que já não teriam tanto uso. Nosso interesse estava em realizar campanha de doação de livros e em arrumar os livros doados em estantes numa sala do Grêmio Estudantil do Colégio Marista São José na expectativa de que seriam trocados por outros livros de alunos que avançavam nos seus estudos. Fazia parte do programa da AMES - Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas. Simultaneamente meu interesse pela literatura e pelo idioma do português me levam à Academia Estudantil Castro Alves (ALCA). Eu havia sido aprovado pelos alunos colegas para a vaga que tinha como patrono Jackson de Figueiredo. Ali na ALCA tudo repetia em ponto estudantil e didático a Academia Brasileira de Letras (ABL) e o nosso professor de Português, Irmão Paulo Basileu, chegou a nos levar no ônibus do colégio a uma visita a ABL onde assistimos a uma conferência do acadêmico Agrippino Grieco. Mas de fato, a minha decisão pela opção de ter uma biblioteca pessoal realizou-se quando abandonei o jogo de botão e o futebol de rua visitando uma marcenaria em Vila Isabel. Minha intenção era comprar uma linda mesa de mateira para o jogo de botão, quando visualizei lindas tiras grossas de peroba de lei e logo sucumbi imaginando uma estante pronta sobre tijolos; cinco ou seis andares pousando suaves sobre a vermelhidão dos blocos cerâmicos. Um colega meu que havia iniciado o curso de engenharia na PUC-RIO (muito conversávamos sobre Filosofia...) me assegurava que não haveria risco de caírem aquelas tábuas pela simples de razão de recebem sobre si o peso dos volumes que, por sua vez estariam sobrepostos aos tijolos que funcionavam com aparas naturais. “Lei da física”, dizia o meu amigo Marco Antônio Sperb Leite. Ainda guardo esta estante de livros que, sendo a minha primeira, abriu o caminho para uma biblioteca efetiva.
Fato é que acabei trocando uma bela mesa de jogo de botões pela estante que eu também desejava. Hoje ela ainda se encontra comigo, em Três Corações, M.G., “relíquia” de estimação”, porém sem livros, onde ombreia em atenção, com outra maior e embutida, (esta, com livros que estão sendo doados aos poucos à Biblioteca Municipal local). A outra nossa estante em Três Corações é serviço de marceneiro de ofício, que nos foi dada como presente pelo pai de Gizlene (Ivo Neder), depois de arrematada num leilão; ela também dedicada e repleta de obras.

Primeira estante para a inicial Biblioteca de Gisálio Cerqueira Filho
i Mas alguns livros que constavam da nossa primeira estante faziam parte da primeira compra que Gizlene fizera, com recursos próprios do primeiro salário recebido como professora da PUC-RIO. Livros de primeira categoria, alguns em francês ou inglês, e de muita importância histórica. Estrangeiros ou nacionais, eram necessários para as suas aulas como historiadora e cientista política. Quando fomos morar juntos e na Floresta da Tijuca, já havíamos constatado que vários títulos dos nossos livros eram duplicatas... A prova da nossa compatibilidade intelectual, gosto recíproco pelos interesses pela Teoria Crítica, nos animava e demonstrava o quanto nossas modestas bibliotecas se amavam a espelhar o amor e o desejo entre nós próprios. Todavia, nenhum de nós dois queria se desfazer do seu exemplar ou mesmo vende-lo. Eles estão conosco até hoje em dia... Mas naquela ocasião, eu tomei a iniciativa de colocar o meu nome nos livros que traziam o nome dela, Gizlene. Imperdoável rastro de um machismo encoberto? Ou amor consolidado no amor aos livros? Interesse recíproco nosso por temas que nos tocavam de modo independente e distinto. Mas registre-se que ela nunca colocou o nome dela num dos meus livros...Talvez aí esteja um primeiro momento nosso e da nossa biblioteca que está fazendo quase 50 anos e num período de quarentena.
Hoje, de fato, temos duas bibliotecas; uma no Sul de Minas e a outra no Rio de Janeiro, quando sucessivamente acumulamos os livros que tínhamos cada qual e depois nas bibliotecas que foram aos poucos ganhando consistência crescente. A do Sul de Minas permaneceu como uma reserva. Primeiramente no Alto da Boa Vista, na Floresta da Tijuca, onde vivemos por uma década e pouco, depois o Alto da Tijuca, na Rua Bom Pastor, ainda no entorno da Mata Atlântica, divisando-se da varanda e ao longe, o Pico “Dedo de Deus” na Serra dos Órgãos, Teresópolis. Neste apartamento nossas bibliotecas se amaram mutuamente e através de nós viveram todos os embates em função de um período que vai testemunhar a longa conjuntura do autoritarismo civil- militar que cobre o período de 1964-1988. Agora, cá estamos no Cosme Velho bem em frente ao sítio em que veio a falecer o escritor Machado de Assis. Trouxemos toda a biblioteca da Bom Pastor para cá. Estamos também em frente ao tradicional Colégio Sion e a Casa do Minho que cuida e propaga a cultura portuguesa, em especial a cultura minhota. E sendo descendente de portugueses (meu avô por parte de pai nasceu em Caminha, Viana do Castelo, norte de Portugal)[6]. Agora temos condições para dedicarmo-nos à nossa amada Biblioteca e contar um pouco desta história, em especial, como falamos de início em relação ao Ex libris. Diga-se ainda, embora de passagem, que nos últimos quinze anos, especialmente Gizlene dedicou-se como nunca na renovação e atualização da Biblioteca Central do Gragoatá da Universidade Federal Fluminense (UFF) com busca de verbas na FINEP e FAPERJ visando em particular assinatura digitais de periódicos internacionais e nacionais. Para tal finalidade contou-se com a criação de uma “comissão de biblioteca” com docentes e funcionários respeitados, amantes da biblioteca. O êxito desse empreendimento foi de grande impacto nos programas de pós-graduação. Não esquecer ainda que, através desta movimentação, uma boa parte e referida ao campo de estudos da “Sociologia do Direito”, Ex-libris da Biblioteca do Desembargador Dr. Felipe Augusto de Miranda Rosa, Professor Titular da UERJ) foi doada pelos herdeiros e recepcionada pela Faculdade de Direito da mesma UFF. Em especial para o Programa de Sociologia e Direito (PPGSD-UFF). Destaque-se ainda que Miranda Rosa foi um dos pioneiros da Sociologia do Direito no Brasil e do Brasil no RCSL (ISA)[7] Neste campo científico o Brasil tem se destacado com renomados pesquisadores e professores, Entre o Prof. Dr. Joaquim Falcão (Fundação Getúlio Vargas / Rio de Janeiro), Dra. Wanda Capeller (Université de Toulouse), Dr. Andre-Jean Arnaud (já falecido) entre muitos outros. E também no Instituto Internacional de Sociologia Jurídica de Oñati, no País Basco. Na Escola de Niterói, R.J. Brasil, temos ainda o Programa de Pó-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD-UFF), Dr.Germano Schwartz (Universidade Uni-La salle, Canoa, Rio Grande do Sul) como destaques.
Isto posto, creio que podemos avançar.

Ex-libris sob a forma de carimbo que dá o nome “Deolinda Rodrigues” à Biblioteca dos intelectuais Gisálio e Gizlene. Vai na imagem acima no livro Pour Marx de Louis Althusser, Paris: François Maspero,1973. Mas quem terá sido Deolinda?
Deolinda Rodrigues Francisco de Almeida (10/02/1939 – 02/03/1967 Kinkuzu, República Democrática do Congo, conhecida como Deolinda Rodrigues ou Langidila (cognome) defensora de primeira linha dos direitos humanos, militante angolana pela independência e mártir pela liberdade angolana, morreu antes dos 30 anos. Entre suas principais obras temos: Diário de um exílio sem regresso, Cartas de Langidila. Prestávamos uma homenagem a uma independentista do colonialismo, avançada na luta pelos direitos das mulheres, no universo dos povos de língua portuguesa. Tínhamos uma afinidade com o desejo de autonomia abrigado na nossa biblioteca... E compartilhávamos com as gerações afrodescendentes que viveram ou ainda viviam no Brasil e cujos bisnetos, netos, filhos estavam nas vizinhanças de onde morávamos seja na Floresta da Tijuca (Mata Atlântica), toda ela reflorestada, seja no Morro do Salgueiro, e na comunidades quilombolas que se estabeleceram na Grande Tijuca, no Alto da Boa Vista, na Muda, na Usina, todos bairros da cidade do Rio de Janeiro.
A Independência de Angola realizou-se em 11 de novembro de 1975, quando o então primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto – militante, escritor e poeta - proclamou a independência de Angola, de jure e de facto de Portugal. O Brasil, por seu presidente General Ernesto Geisel, foi a primeira nação estrangeira a reconhecer publicamente a independência de Angola.
No final da década de 1950, essa jovem estudante de sociologia, Deolinda vivia no Brasil Ela trocou correspondências com ninguém menos que o reverendo Martin Luther King Jr., líder da luta pelos direitos civis dos afro-americanos. O nome completo dessa heroína, nascida em 1939, em Catete, na província de Bengo, norte de Angola, era Deolinda Rodrigues Francisco de Almeida. Naqueles tempos de guerra, ela usava o pseudônimo de Langidila. Era a terceira dos cinco filhos de um casal de professores primários, religiosos metodistas.
Raramente, ao caminharmos por uma rua ou avenida, nos indagamos sobre quem seria a pessoa homenageada com a denominação daquele logradouro. Pois Deolinda Rodrigues foi uma poetisa, mártir da luta pela liberdade, militante dirigente empolgada pelo movimento revolucionário e incansável lutadora em favor dos direitos humanos, em Angola. Ao mudar-se para Luanda, viveu acolhida na casa de seu primo, o também poeta Agostinho Neto, que se tornaria o primeiro presidente de Angola. A missão evangélica concedeu-lhe uma bolsa para estudar no Instituto Metodista de Ensino Superior, em São Bernardo do Campo, região do Grande ABC, em 1959, mas ela foi extraditada, um ano e meio depois, por conta de um acordo entre nosso país e Portugal. Foi nesse período que trocou cartas com Luther King. Seguiu para Illinois, nos Estados Unidos, onde prosseguiu os estudos. Mas, antes de completá-los, retornou à África para pegar em armas contra a opressão colonial.
Foi para Guiné e depois para o Congo Kinshasa, onde ajudou a fundar a Organização da Mulher Angolana (OMA). Liderança testada, apresentava na rádio do partido o programa “A voz de Angola”, era combatente e participava dos treinamentos de guerrilha em Kabinda, onde foi selecionada para integrar o Esquadrão Kamy. Em 2 de março de 1968, ao retornar de uma missão na selva, Deolinda e quatro outras integrantes do OMA (Engrácia dos Santos, Irene Cohen, Lucrécia Paim e Teresa Afonso) foram capturadas pelo grupo guerrilheiro adversário, o UPA (posteriormente FNLA). As cinco foram torturadas e esquartejadas vivas. Sete anos antes da independência de seu país, o dia 2 de Março foi consagrado Dia da Mulher Angolana. Uma carta de Martin Luther King a Deolinda, de 1959, com uma análise da situação política em Angola e conselhos daquele herói afro-americano, é um dos documentos exibidos com orgulho pelas atuais lideranças do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), cujo vice-presidente, o deputado Roberto de Almeida é irmão dessa poetisa mártir. Num trecho da carta, King afirma: “Seria maravilhoso regressar ao seu país com esta ideia na mente: a liberdade nunca é alcançada sem sofrimento e sacrifício. Só se conquista com trabalho persistente e incansáveis esforços de pessoas dedicadas.” Talvez esse conselho tenha sido um grande estímulo para Deolinda oferecer sua vida pela liberdade de seu povo, assim como ocorreu com o próprio Luther King.[8]
O trabalho que dava para carimbar o Ex libris nos livros da biblioteca que foi sendo construída na Estrada Velha da Tijuca bem como a sua catalogação não teve a continuidade requerida após a chegada dos filhos, netos, netas e o corre-corre da vida de professores morando no Rio de Janeiro e trabalhando em Niterói, na Universidade Federal Fluminense (UFF), a “Escola de Niterói”. E isto para não falar do período em que trabalhamos também na Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), na Gávea, quando ainda não havíamos alcançado a cobiçada dedicação exclusiva.
Assim, quando nos mudamos para a Rua Bom Pastor a nossa biblioteca ganhou muito em densidade e no amor e dedicação que tínhamos para com os nossos livros. A área que atuamos é rigorosamente multidisciplinar com ênfase na História, Ciência Política, Sociologia, Direito, Psicologia e Psicanálise. O nome Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, (on line), https://periodicos.uff.br/revistapassagens, da qual somos Editores, dá uma noção da área que cobrimos. Ela foi lançada em Milano, Italia, em 2013.
Acrescente-se a isso o Blog que mantemos em funcionamento intitulado NOS (Núcleo Observando o Sul) https://www.observandosul.com/ após amadurecer muito conhecimento sobre América Latina no Fórum Universitário do Mercosul (FoMERCO).[9]
Quando há três anos viemos para o Cosme Velho, sentimos a falta de uma catalogação que nos permitisse a rápida localização do volume requerido. E em tempos de tanto avanço tecnológico cabia um levantamento dos variados títulos de livros impressos quanto da sua localização nas diversas estantes. Só assim poderíamos nos proteger seja da memória, que já não é a mesma, quanto de uma rápida localização. Esse processo está em curso e expressa a relação afetuosa que temos com os livros que manuseamos, lemos; nos quais às vezes fazemos anotações e que guardam mistérios inequívocos, a despeito de todo avanço que podemos observar.
Rio de Janeiro, Janeiro de 2022
[1] Alves Borges, Bruno. Deus Me Livros. Brasília: Ed. UNB, 2021. O autor graduou-se em Letras na UnB e nela tornou-se Mestre em Teoria Literária e Literatura.
[2] Ver https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=8389@1 para localizar esta tese do Luiz Antonio Meirelles.
[3] Penna, Maria Luiza. Luiz Camillo: perfil de um intelectual. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006. Originalmente foi Tese Doutoral no Departamento de Letras da PUC-RIO. Hoje, a autora é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB).
[4] Nada mais, nada menos que Carlos Drummond de Andrade, como o designava ainda bem jovem João Cabral de Melo Netto
[5] A apresentação Carlos Drummond de Andrade vai na contracapa da obra.
[6] Meu avô paterno chamava-se Dom Joaquim Augusto Santana Pereira de Távora Cerqueira. Veja-se Cerqueira Filho, Gisálio. Morro do Salgueiro: Psicopatologia Fundamental e Cultura in http://www.achegas.net/numero/36/gisalio_36.pdf Ver ainda do mesmo autor CROMOS (poemas) Rio de Janeiro: Ed. 7Letras 2000, com gravuras de Madalena Jara, especialmente pp. 74 e 75.
[7] Research Commiittee Sociology of Law (International Sociological Association). Juntamente com Miranda Rosa participou também como pioneiro o sociólogo Cláudio Souto da Escola de Direito do Recife
[8] Ver Oswaldo Faustino www.platinaline.com Adaptação para web por David Pereira.
[9] Gisálio Cerqueira Filho, na qualidade de presidente eleito, realizou e presidiu o XI Congresso Internacional do FoMERCO, o primeiro fora do Brasil; em Buenos Aires, 2010. Veja-se o volume coletânea “Sulamérica Comunidade Imaginada: emancipação e integração. Niterói: EdUFF, 2011. Participação da CAPES-MEC, Brasília, Brasil.
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