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Imigração na tríplice fronteira amazônica.

  • Foto do escritor: NOS - Núcleo Observando do Sul
    NOS - Núcleo Observando do Sul
  • 21 de ago. de 2022
  • 3 min de leitura

Atualizado: 9 de set. de 2022

Gizlene Neder


A mobilidade humana com deslocamentos migratórios dramáticos é o tema do livro de Fabiane Machado Barbosa da Fonsêca, “Soberania e imigração transnacional na Amazônia acreana: poder e relações de força” [1].

Originalmente preparado como tese de doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais, defendida na Universidade Federal Fluminense, este livro apresenta todas as qualidades de uma pesquisa de fôlego sobre um tema atualíssimo e doloroso: as migrações compulsórias no início do século XXI, promovidas por catástrofes produzidas por guerras (e seus efeitos: fome e perseguições políticas) e catástrofes naturais, como é o caso da devastação provocada por terremoto no Haiti.

O tema é árido e complexo, mas a autora conseguiu produzir uma narrativa que contém três qualidades a serem destacadas: inspira-se em referências epistemológicas transdisciplinares; a linguagem é acessível para os leitores de fora dos campos de saberes envolvidos: direito e ciências sociais; e, por último, contém muita novidade pelos dados que a pesquisa em fontes inéditas apresenta.

Soberania e imigração transnacional na Amazônia acreana analisa a imigração transnacional na tríplice-fronteira do estado do Acre (Bolívia – Brasil – Peru), a partir das relações de força que compõe o espaço de fronteira terrestre na região amazônica brasileira. Tendo em mente que cerca de 90% do território do estado do Acre está dentro da faixa de fronteira, Fabiane Machado enfoca os processos de entrada de imigrantes desde a localidade de Assis Brasil até a capital, Rio Branco. Assim que somos informados de que o poder estatal encontra, na região, obstáculos no exercício do controle na Amazônia, onde a fronteira é porosa, fluida e dinâmica por causa da floresta e da cultura dos povos tradicionais da região.

A dimensão empírica abordada neste livro envolveu, como é esperado no campo dos estudos jurídicos e sociais, os dispositivos legais referidos à entrada de estrangeiros no Brasil. Mas também realizou uma pesquisa de campo que identificou uma rota de migração terrestre que liga o Brasil ao Caribe e a África. Um caminho longo e tortuoso que é símbolo do legado da crise migratória haitiana; uma ligada à outra. Hoje, com o tempo, a rota tornou-se usada principalmente por imigrantes africanos, em sua maioria provenientes do Senegal.

Como resultado, o livro enfoca o exercício do poder do Estado, sem desprezar estratégias de poder dos imigrantes que denota a existência de uma rede de relação de força social e política na esfera de micropoderes implicados na produção de subjetividade. Assim que o livro conduz o leitor à principal conclusão da pesquisa: o tratamento dado ao imigrante trabalhador vem atravessado pela cultura política e toda a subjetiva aí implicada. Portanto, o objetivo da ação estatal e de outros agentes sociais não visa, tanto, deter o fluxo migratório, apenas controlá-lo materialmente e simbolicamente.

A autora afirma na Introdução do livro que seu interesse estava voltado para as relações que envolvessem trabalhadores imigrantes ilegais. Enfocou, portanto, aqueles que se deslocam em busca de um desejo, sem autorização de entrada. Tentou flagrar o que se passa na fronteira no momento de entrada desses trabalhadores não autorizados, para colher indícios sobre as forças que se estabelecem sobre seus corpos, sobre sua passagem ao território brasileiro.

Primeira questão que saltou aos olhos da pesquisadora, diz respeito a distância da tríplice-fronteira no Acre-Bolívia-Peru dos grandes centros urbanos localizados sobretudo no litoral brasileiro. A especificidade das fronteiras terrestres da Amazônia e a entrada de imigrantes transnacionais, estabeleceram uma rota desde o fluxo de imigrantes do auge da crise imigratória Haitiana, em 2016. A partir daí, o processo a tornou frequentes os fluxos de imigração transnacional, consolidando a fronteira acreana, como um local de passagem de várias nacionalidades.

Fabiane Machado Barbosa empreende aqui um estudo de caso, onde o cerne de suas indagações joga um farol sobre as escolhas políticas do Brasil em relação à imigração na Amazônia, especialmente após a crise imigratória haitiana. Viajou para a fronteira, produziu entrevistas com imigrantes, com agentes governamentais e não governamentais; recolheu dados, cadernos de anotação e teceu uma narrativa sociológica instigante sobre seu objeto de estudo, sendo a autora jurista de formação. Professora de Sociologia e Direito na Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA/PA, doutorou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Antes, graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (2004), e realizou seu mestrado em História Social das Relações Políticas também na Universidade Federal do Espírito Santo (2007). Como se vê, formação multidisciplinar, objeto de pesquisa que exige enfoque multidisciplinar e escolhas políticas e acadêmicas de alta relevância social e política, conferem a excelência do livro que o leitor tem em mãos.


Referências

[1] FONSÊCA, Fabiane Machado Barbosa da. Imigração e Poder: soberania e mobilidade humana transnacional na tríplice fronteira amazônica acriana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. v. 1. 276p.

 
 
 

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