“Roberto Lyra (1902-1982)-o intelectual militante pelas ciências socais"-Tese sobre ensino jurídico
- NOS - Núcleo Observando do Sul
- 21 de nov. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de jan. de 2023
Gisálio Cerqueira Filho
Roberto Lyra, eu fui apresentado ao seu escritório alguns anos após sua morte e pela viúva Sofia Lyra. Tudo no devido lugar, pois o escritório que usou enquanto vivera havia sido preservado após a morte e bem cuidado no apartamento da praia do Flamengo. O passado tinha o odor de tempos idos e o varandão permitia longos passeios diante do mar tão perto.
D. Sofia Lyra já era idosa e era “cuidada” pela Associação de Ex-alunos de Roberto Lyra que enviava para o apartamento da viúva, alunas e eventualmente alunos em um entra e sai contínuo como que, funcionando como amparo à senhora, tanto fisicamente quanto do ponto de vista psicológico. Naquele momento as relações entre Lyra Filho e sua mãe estavam abaladas e suspensas.
Fui solicitado pelo filho e atendi ao apelo de intervenção que, saudoso, queria rever a sua própria mãe. Como se diz no futebol, que aliás foi narrado em França em muitas ocasiões por ninguém menos que Pierre Bourdieu, coloquei em campo (campo científico e intelectual) ninguém menos que minha esposa, historiadora de mão cheia e cientista política, Dra. Gizlene Neder, dotada de sensibilidade infinita, para fazer a devida aproximação. Sucesso total e Roberto Lyra Filho morreu em paz, logo após encontrar-se conosco no apartamento de São Paulo e agradecer-nos muito a boa receptividade de D. Sofia ao filho querido Lyra Filho. Conversamos sobre obras de filosofia jurídica e sociologia do direito, fomos apresentados com carinho à sua coleção de corujas...
Missão cumprida, fica aqui o registro das testemunhas, orientadora Gizlene e coorientador Gisálio.
No meu caso particular, conheci com medo a Favela do Esqueleto que surgiu logo após o Maracanã ser construído para a Copa do Mundo no Brasil. Logo voltarei a isso uma vez mais.
“Quando o terreno foi invadido pelos moradores, inicialmente, os barracos foram sendo construídos em torno do esqueleto, parte de melhor terreno, mas em poucos anos a favela já era uma das maiores da cidade e possuía enorme quantidade de tipos diversos de barracos. Alguns mais elaborados; outros, casas populares, passando por barracões de madeira, bem estruturados, até alcançar precárias palafitas em uma área pantanosa num dos braços do Rio Joana, bem próximo de onde eu nasci. Também havia barracos do tipo apartamento dentro da estrutura abalada do esqueleto, que havia sofrido seguidos incêndios”, frisa o site de pesquisa “Rio de Janeiro”.[1]
Em 1950, após a promulgação da lei municipal nº 547, foi criada a nova Universidade do Distrito Federal (UDF). Nesta época, a cidade do Rio de Janeiro era o Distrito Federal do Brasil. Foi aí que a história da UERJ começou. Nela a família Lyra tinha tamanha importância no campo do Direito que pavilhões receberam o nome do(s) jurista(s), pois para o leigo não havia tanta diferença e só a palavra “Lyra” parecia aparecer e ficava registrada na memória.
Antes, entre 1935 e 1939, existiu a UDF no Rio de Janeiro, sonho de muitos (entre eles Anísio Teixeira, Santiago Dantas, Luís Camilo [2] e outros, mas que sofreu nas mãos dos conservadores. Diferentemente da que nasceu nos anos 1950, que logo se tornou referência de ensino e pesquisa. A então UDF foi mudando inclusive de nome. E em 1958, passou a ser URJ: Universidade do Rio de Janeiro; em 1961, após a transferência do Distrito Federal para Brasília, a URJ recebeu o nome de Universidade do Estado da Guanabara (UEG) e, em 1975, já durante a ditadura militar, se tornou Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Eu convivi com Felipe Augusto de Miranda Rosa, professor titular concursado na UERJ, pesquisador, jurista, juiz de direito, desembargador. Fundou e atuou no coletivo de Sociologia do Direito tanto no plano nacional quanto internacional. Cláudio Souto e Solange Souto foram parceiros incansáveis. Eles nos aproximaram de Niklas Luhmann. Já No ano 1976, foi inaugurado o campus Francisco Negrão de Lima, localizado no bairro do Maracanã, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. A estrutura foi armada na área da antiga Favela do Esqueleto – chamada assim, pois lá existia uma construção abandonada, que seria um hospital público.
À favela do Esqueleto fui apresentado bem novo, pois sequer tinha pouco mais de 10 anos de idade. Perdi-me de meu pai num retorno de uma partida de futebol e retornei à casa na Rua Senador Soares completamente só e atravessando a Favela do Esqueleto propriamente dita, pois não encontrara a outra saída onde hoje está a estátua de Bellini, campeão mundial. Entre os citados intelectuais neste breve resumo impregnou-se uma espécie de inconformidade com a desigualdade social, a fome, o desamparo, as más condições de moradia, que evidentemente não concorriam para a cidadania, senão para a criminalidade. E eu julgava com imaginação que poderia encontrar esqueletos reais... Embora tendo realizado minha carreira universitária na UFF e na PUC-RIO, no segundo Governo Leonel Brizola fui nomeado Diretor Geral do CEUEP (Centro de Estudos e de Pesquisa para as Instituições de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro Polícia, Militar, Polícia Civil, Defesa Civil (Corpo de Bombeiros) e Sistema Penitenciário. O CEUEP funcionou os quatro anos do mandato do Gov. Leonel Brizola agregado à Vice-Governadoria/RJ na gestão do também jurista Dr. Nilo Batista e funcionou no campus da UERJ, onde crescera a Favela do “Esqueleto”. Emergiram então novos e brilhantes estudiosos da Criminologia Crítica: Dr. Emílio Garcia Mendes que fez seu doutorado em Saarbrucken com o Dr. Alessandro Baratta, Dra. Vera Malagutti, Dr. Raul Zafaronni, Dr. Lolita Anyar de Castro (Maracaibo), e muitos outros como Dennis Szabo e os parceiros de Centro Internacional de Criminologia de Montreal, Canadá, com o qual trabalhamos em projeto de pesquisa dirigido por Miranda Rosa e cuja biblioteca jurídica foi doada à Biblioteca da Faculdade de Direito da UFF e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD). Quero citar ainda Wanda Capeller-Arnaud e André Jean-Arnaud (in memorian) que tão bem nos receberam em Toulouse, em França, Heleno Fragoso (in memorian), Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira (in memorian). Hoje, à Banca Examinadora, de primeira categoria, do doutorando e Prof. Eugeniusz Costa Lopes da Cruz, acrescenta-se ele próprio e pelo seus méritos... Parabéns professor.
Gisálio Cerqueira Filho.
Cosme Velho, R.J. 09 / 11 / 2022.
[1] Ver http://oriodeantigamente.blogspot.com/
[2] Foi o primeiro a assinar o Manifesto dos mineiros em 24 de Outubro de 1943.
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