Sobre Jose Nilo Tavares: lembranças fragmentadas
- NOS - Núcleo Observando do Sul
- 15 de jan. de 2023
- 7 min de leitura
Atualizado: 18 de jan. de 2023

Gisálio Cerqueira Filho
Para José Nilo Tavares, in memorian
I
José Nilo Tavares, nascido em Varginha, faleceu em dezembro de 1997, aos 61 anos de idade. Sociólogo e cientista político, foi Professor Titular de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde defendeu a sua livre-docência. Foi também professor de Ciência Política na Escola de Sociologia e Política da PUC-Rio, onde atuou por largo tempo.
Ontem muito pensei em sua memória, pois eu o considerava bastante na perspectiva sempre da defesa da democracia e da diversidade presentes na unidade política que forma a nação brasileira. Sua tese de livre docência, defendida na UFF para alcançar a titularidade, sobre o PRM (Partido Republicano Mineiro) é um ode à sensatez política e à fraternidade. Nunca ao terrorismo, ao fundamentalismo político ou de qualquer outra natureza... E isto eu pensava vendo recentemente na tela de TV as cenas horríveis de ódio, terror, completa falta de educação cívica na invasão sofrida pelo Palácio do Planalto, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (STF), todos na Praça dos Três Poderes, em Brasília, D.F. Contra tais cenas e atos levianos levantaram-se os dirigentes do Brasil em boa hora convocados para um basta na leniência para com a infâmia e atos perversos, classificados como “atos terroristas pela legislação vigente”. Danos ao rico patrimônio cultural, e não só. Rico em todos os significados da língua portuguesa. O crimes contra a cultura se revestem de um aspecto simbólico que demonstra desdém pelo Brasil em um das suas mais notáveis expressões.
Porte de armas brancas e mais, roubos e furtos sejam ao patrimônio nacional nação, sejam a jornalistas e seus equipamentos de ofício.
II
Minha convivência com Zé Nilo iniciou-se quando, no começo dos anos 70, século XX, fui procurá-lo na Universidade Católica para orientar-me num pequeno e despretensioso projeto de pesquisa sobre o integralismo no Brasil quando realizava um curso de extensão universitária sobre Metodologia das Ciências Sociais na FGV/RJ, onde o Instituto de Direito e Ciência Política (IDCP) era então dirigido pelo jurista Dr. Themístocles Brandão Cavalcanti. Todavia, ele evoluiu para uma compreensão mais profunda do autoritarismo fundamentalista que amarrava num só nó, o salazarismo, o franquismo, o fascismo, o nazismo; embora tivessem sido aparentemente derrotados pelos aliados na 2ª Grande Guerra. O Brasil lutara na guerra do lado dos aliados, URSS inclusive, tendo enviado a FEB para a Itália.
III
Minha hipótese principal pretendia localizar restos do integralismo que ainda vicejavam na ditadura que vivíamos então no Brasil. Fiz boas entrevistas: a) com o General Sombra, oficial na reserva, mas ainda uma liderança que atuava em Vassouras; b) com Roberto Campos, economista que na juventude estudara em seminário católico e se aproximara de um pensamento econômico bem ortodoxo; c) busquei ainda um jornalzinho vendido nas bancas do centro da cidade do Rio de Janeiro sobre a atualidade do integralismo de Plínio Salgado... Apostava num projeto marcado pelo tradicional debate entre liberalismo versus autoritarismo no Brasil e desde o império. Não cheguei a encontrar milícias, traficantes, etc. irmanados como os direitistas chamados clássicos. Seria um lumpmen da direita?
IV
O professor José Nilo Tavares recebeu-me muito bem e em principio aceitou orientar-me. Entretanto, a FGV ofereceu seus mestres aos seus alunos e me coube realizar o estudo sobre integralismo com o Prof. Olavo Brasil Lima Júnior. mineiro que chegara dos EUA. Fiz a monografia, tendo Zé Nilo como orientador coadjuvante. Ambos mineiros, estudaram em Belo Horizonte, cientistas políticos e com pontos de vista bem diversos. Fizera uma listagem sobre a oposição entre as ideias de centralização política-administrativa (autoritária) e descentralização (liberal) na história do Império e república brasileiros. Autoritarismo versus Liberalismo para entender o Brasil.
V
Logo em seguida, Zé Nilo me pergunta se eu poderia substituir ao Professor Jarbas Medeiros, também mineiro e ex-deputado feral pela UDN, num seminário especial na PUC-RIO, aos sábados pela manhã (da 08:00 horas às 12:00 horas). Minha resposta positiva marcou-me no magistério da PUC e logo seria convidado para integrar o quadro de professores horistas do Departamento de Sociologia e Política. Foi uma experiência e tanto, pois com frequência, durante a semana, conversava com Zé Nilo sobre a possibilidade ser meu orientador principal no IUPERJ (mestrado) para onde havia sido aprovado. Ali a inverteu-se a situação, pois aos poucos fui conversando sobre alternativas para a dissertação de mestrado no IUPERJ, tendo aceito Zé Nilo Tavares como meu orientador principal. Mais tarde o instituto veio a sugerir Olavo Brasil como orientador principal. Disse então que, na altura, inverteria o que ocorrera na FGV e agora o Prof. Olavo seria meu orientador adjunto, pois já convidara Zé Nilo para ser meu orientador principal. Assim foi. Eu já era conhecido de Olavo e começara a pensar, por decisão minha pessoal, sobre as diferenças entre as ideias socialistas versus capitalistas...
VI
Por dois anos debrucei-me sobre os clássicos da teoria política brasileira, sem descurar da literatura: entre outros, Tavares Bastos, Visconde do Uruguai, Nabuco de Araújo, Joaquim Nabuco, Machado de Assis, Silvio Romero, Antonio Picarollo, Astrogildo Pereira, Otávio Brandão, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Florestan Fernandes, João Guimarães Rosa.
Realizei então pesquisa inédita para obtenção do grau de Mestre em Ciência Política (1975) com o título "A Influência das Ideias Socialistas no Pensamento Político Brasileiro: 1890/1922", realizada em especial na Biblioteca Nacional/RJ e no Instituto Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo. A dissertação foi publicada por Edições Loyola, São Paulo, 1978 e lançada na Bienal do Livro em São Paulo. Foi saudada no Jornal do Brasil por Charles Pessanha, editor da Revista DADOS, como um dos “livros do ano” e pelo Professor Vamireh Chacon (UFPE) “como uma contribuição ao pensamento político e social no Brasil”.
Sobre o livro em questão foram publicadas as seguintes resenhas:
a) “Zweimonatsschsift für Kultur, Wirtschaft und Polotik Laterinamerika”, Zentrum V. Bonn, Jahrgang XVI, juli/august/1977, Nr. 4/1977.
b) “Caderno do Livro” do JORNAL DO BRASIL, 28/10/78 com o título: “Letrados e Ativistas”, pelo sociólogo Dilson Motta (UERJ).
c) Revista APARTE, nº Zero, ano I, Niterói, 1978. (entrevista com alunos do Centro Acadêmico UFF)
d) “Ensaios de Opinião”, nº 10, Rio de janeiro, Ed. Paz e Terra, sob o título “Classe Operária e Pensamento Político no Brasil”, pelo sociólogo Michel Misse.
e) Revista “Encontros com a Civilização Brasileira”, nº 8, Rio de Janeiro, 1979 pelo historiador Chico Alencar.
f) Indicado como livro destacado do ano de 1978, “Caderno Livro” do Jornal do Brasil, 30/12/1978 pelo editor da Revista DADOS, Charles Pessanha.
Zé Nilo Tavares apresentou-me ainda ao sociólogo católico Arthur Rios que fora Diretor da Sociologia da PUC-Rio, ao Fortunato, oficial aviador da FAB que esteve 2ª Guerra Mundial, este era artista nas horas vagas. Também a Rui Moreira, ex-ofcial da FAB. Gostavam de conversar sobre o Brasil, o passado, presente e o futuro nos bares do Leme.
VII
Mais tarde, realizei meu doutorado na USP (FFLCH), também em Ciência Política e com recursos da FAPESP. Fui selecionado em boa classificação e tive como orientador o Dr. José Augusto Guilhon Albuquerque. Foram quatros de muita dedicação e meditação sobre as diferenças entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Pude construir uma razoável soberania profissional, pois já tinha em 1980, 17 anos de magistério (desde o tempo dos Maristas, no ensino fundamental e médio, passando pelo ensino universitário nas Faculdades Cândido Mendes, Gama Filho, PUC-Rio, UFRJ, UFF, entre outras. Na pesquisa, aproximei-me do jurista e Prof. Titular Dr. Felipe Augusto de Miranda Rosa. Fui seu assistente na UERJ, trabalhamos juntos no CEJUR (Centro de Estudos Jurídicos do Rio). Fizemos várias pesquisas internacionais e passamos a atuar no Research Committee on Sociology of Law.
No Brasil, participamos de um belo Projeto na FINEP, no campo da Sociologia Jurídica, quando o Diretor era Mário Brockmam Machado. Miranda, Rosa e eu estivemos em Paris (Sorbonne) e no Castelo de Chantilly (seminário dos jesuítas) em centros de pesquisa de Criminologia, Trabalhamos juntos com Tereza Miralles (de Barcelona.)
VIII
Finalmente em 1980 obtive meu doutorado na USP e com distinção, perante a Banca Examinadora: Doutores J.A. Guilhon Albuquerque (orientador), Melanie Kolppitt, (psicóloga), Fernando Henrique Cardoso (cientista político), Leôncio Martins Rodrigues (cientista político), Richard Bucher (Université de Genéve, psicanalista). Logo foi publicada pela Ed. Civilização Brasileira e seu título foi “A questão social no Brasil: crítica do discurso político”.
IX
O interessante é que não me afastaria de Zé Nilo (1997). Ainda pude conviver com ele por 17 anos, pois retornaria tanto para a PUC-Rio quanto para a UFF, uma vez que não tinha dedicação exclusiva. Pude vivenciar e em várias oportunidades, a solidariedade do amigo. Então já estava casado com Gizlene Neder, nascida em Três Corações, terra de Pelé, vizinha de Varginha, Sul de Minas. Antes e percebendo as dificuldades que enfrentava quando na minha morada no Alto da Boa Vista, Floresta da Tijuca, Zé Nilo ofereceu-me por um período vários móveis que me foram muito necessários Quando os devolvi de volta, todos eles, brindou-me com uma cadeira de escritório, indelével marca de sua generosidade que guardo comigo.
X
Tínhamos muitas coisas em comum, mas também divergências... Para ele era fundamental a construção da democracia e do Estado de direito para todos e todas. E nisto eu e ele concordávamos plenamente. Vivemos uma boa parte, e com orgulho, a transição política, que chegou a ser liderada pelo mineiro Tancredo Neves. O barco, comentava, ele, foi levado por José Sarney com a cooperação notável de Ulisses Guimarães e chegou ao porto da melhor maneira possível. Alguns anos antes de falecer, Zé Nilo foi diretor de área (Ciência Humanas) do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Sua atenção era muito clara no desejo e ação de termos um CNPq. com pesquisadores e cientistas diversos de toda a ordem. Ele era contra “igrejinhas” e buscava toda sorte de exemplos para fugir tanto do autoritarismo quanto, do “favor”. Era decididamente pelo mérito e incorporando sempre as boas sugestões, acolhendo a juventude. Atento às novidades em C&T (Ciência e Tecnologia).
Nestes últimos dias pensei muito no Zé Nilo. Como ele estaria vendo este ataque perverso ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e Supremo Tribunal de Justiça? Afinal tratava-se de ataque ao Estado de Direito. Como companheiros de trabalho tínhamos as nossas confidências, mas uma ocasião, a senhora sua mãe veio ao Rio fazer uma visita ao filho e recebemos um convite dela para jantarmos juntos no Restaurante Lamas no Flamengo. Repentinamente, disse-me ela: “tenho muita confiança em você, Gisálio! E desejava conhece-lo.” Como qualquer professor, fiquei feliz e grato com esta delicadeza materna ...
Cosme Velho, Rio de Janeiro, 13/01/2023
Comments